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ensaios urbanos
concurso nacional ensaios urbano: desenho para o zoneamento de são paulo | menção honrosa categoria 3, 2014
CONCURSO NACIONAL ENSAIOS URBANOS - MODALIDADE 1 - CATEGORIA 3:estudos de configuração da frente dos lotes com as vias, com ênfase no tratamento da testada dos lotes e do pavimento térreo de modo a melhorar a fruição do espaço público e a interação do pedestre com o embasamento do edifício.

 
 
MEMORIAL DA PROPOSTA
 
A questão fundamental levantada na categoria 3 é a retomada da cidade pelo pedestre. Cabe, de início, a crítica ao processo histórico que continuamente afastou o pedestre da fruição do espaço público urbano paulistano.
            A chave do enfrentamento deste cenário pode ser dividida em dois focos: a malha de espaços pedonais e a superfície de contato entre o espaço público e as entidades privadas (edifícios ou territórios de acesso controlado). Nos dois casos, apresentam-se estratégias para a ampliação e para qualificação: mais calçadas, áreas de uso público e maior contato entre edifícios e a rua.
Entende-se que o térreo da cidade é espaço privilegiado, território dos encontros, do comércio, da vida pública. Esta proposta busca reorientar a apropriação do térreo da cidade, identificando nesse nível a necessidade de fazer valer a sua função social, potencializando infraestruturas e qualificando o cotidiano no espaço urbano de São Paulo.
No entanto, existe, hoje, uma lacuna territorial na legislação urbanística que exclui da regulamentação pública o espaço do pedestre. Deve-se, portanto, propor instrumentos que articulem o lote e o bairro, inserindo a iniciativa privada na equação do desenho urbano, com o direcionamento e o controle público necessários, superando a restrição urbanística dos domínios do lote.
 
Calçadas: o chão da cidade
Olhando a cidade a partir do térreo e com foco na relação entre as frentes de lotes e suas vias, um aspecto a ser destacado é a necessidade de se valorizar o seu chão. Um espaço urbano historicamente marcado pela criação de caminhos se construiu com a redução do espaço do pedestre a intervalo entre o sistema viário e os lotes privados.
A individualização da manutenção de calçadas é um aspecto que marca sua aparência. O descuido com o espaço do convívio público é tema recorrente nas discussões sobre espaços livres, e há muito se tem buscado alternativas. Investidas recentes têm tratado o tema sem que soluções de gestão desses espaços tenham surtido efeito no contexto urbano. A Lei de Calçadas (15.733/2013) aparece como um instrumento para garantir o mínimo de qualidade e homogeneidade a estas áreas.
 
Superfície Público Privada
A ocupação tradicional da cidade (matriz europeia de ocupação perimetral do quarteirão) foi flexibilizada ao longo do século XX com a desconstrução gradativa da quadra. O século XX iniciou-se diante de experiências em que a quadra mantinha sua função aglutinante, servindo de base para a revisão do tecido urbano, enquanto o urbanismo Moderno relativizou o papel da quadra dissolvendo os limites entre público e privado, articulando as áreas internas e externas em um só espaço.
A leitura para São Paulo deve considerar a sobreposição de regulamentações entre esses dois extremos. Neste sentido, interessa permitir que esta coexistência seja mantida, mas com atenção às idiossincrasias do mercado (capaz de subverter as virtudes de ambas as hipóteses).
O panorama atual das intervenções do mercado imobiliário é desenhado por um argumento publicitário: a concentração dos equipamentos de lazer dentro do condomínio. Alinhados à falsa noção de segurança, os grandes empreendimentos habitacionais optam invariavelmente pelo muro contínuo no alinhamento do lote e pela concentração de pontos de acesso. O cenário torna-se ainda mais dramático quando há o remembramento de lotes (incentivado, inclusive pela legislação em alguns casos, como a Operação Urbana Centro), uma vez que os múltiplos eventos (usos distintos, acessos diversos) são substituídos pela extensão estéril do muro contínuo.
Trata-se de um dos mais nefastos resultados da regra de Adiron, que vincula o aumento do coeficiente de aproveitamento à diminuição de ocupação do lote. Isso cria uma verticalização rarefeita, pouco contínua, em que se torna interessante à iniciativa privada a reunião de lotes e a verticalização pontual. Soma-se a isso à exigência irrestrita de recuos de frente, que cria uma faixa indisponível (em grande medida) ao uso público .
A iniciativa privada precisa se configurar como agente destas intervenções capazes de ampliar e qualificar os limites entre os usos privados e públicos da cidade, por meio da ampliação das áreas de domínio coletivo e de sua qualificação, garantindo usos diversos a apropriação pública efetiva dos espaços livres.
Os objetivos desta proposta se apresentam em quatro grandes itens:
 
1)           Melhorias das calçadas
          É necessário fazer valer a Lei de Calçadas (15.733/2013), que estabelece as responsabilidades individuais no que se refere a manutenção e a configurações mínimas dos passeios de pedestres. Ampliar incentivos às ações que ultrapassem os mínimos impostos em lei e que qualifiquem o espaço: arborização, coberturas contínuas e/ ou galerias, ampliação da malha pedonal e mobiliário urbano devem ser trabalhados dentro da lógica da quadra, não mais do lote. Ferramentas de gestão compartilhada são apresentadas para reverter o quadro de individualização da responsabilidade sobre as calçadas.
2)           Ampliação da malha pedonal
           Para além das melhorias físicas na malha existente, é fundamental apresentar alternativas para a ampliação da rede pedonal existente e do sistema de mobilidade. Propõem-se então alguns incentivos à abertura das quadras para passagens, galerias e servidões de passagem, visando ampliar, no miolo das quadras, as possibilidades de travessia.
Algumas soluções são propostas, com intuito de costurar o tecido em casos de quadras de grande extensão, fruto de uma urbanização de padrão irregular, como a obrigatoriedade de aberturas para vias de pedestres, que também pode ser incentivada em quadras com dimensões convencionais, como incentivo à rede alternativa e ampliação da superfície de contato entre público e privado.
 
3)           Ampliação da superfície de contato entre público (via) e privado (edifício)
A disponibilização de áreas privadas ao uso público (miolo de quadra, flexibilização dos térreos, galerias comerciais e passagens) tem a virtude de ampliar a superfície de contato entre público e privado e redefinir as frentes de lote, ampliando e diversificando os caminhos pedonais, antes reclusos à calçada.
A potencialização do solo urbano, com aumento de área passível de apropriação, por áreas comerciais e de lazer, pode ser ferramenta interessante para otimizar o uso do solo.
Outro fator a ser considerado é a carência de espaços livres públicos qualificados no tecido urbano de São Paulo. Tanto na periferia recente, em zonas industriais em transformação ou em zonas mistas de ocupação mais densa, o problema persiste. Esta proposta apresenta uma possíveldireção a perseguir a reversão paulatina desta condição, realizada com a participação da iniciativa privada.
 
4)           Qualificação da superfície de contato entre público (via) e privado (edifício)
Os muros contínuos em condomínios residenciais, modelo de ocupação na última década devem ser inibidos por meio da obrigatoriedade de um número mínimo de eventos urbanos em cada testada de quadra. Cada um destes eventos tem um potencial de qualificação do espaço específico: uma passagem pública é mais efetiva do que um acesso de automóveis, um acesso de um edifício habitacional é mais efetivo do que um acesso secundário de imóvel comercial. É necessária a qualificação destes eventos de modo a ser possível avaliar quais combinações seriam suficientes para garantir a sobrevivência e diversidade da vida pedonal.
Para alcançar os objetivos elencados esta proposta apresenta novas ferramentas que podem se combinar com os instrumentos existentes (como a Lei de Calçadas, o Iptu Progressivo e o PEUC). São eles: Nova Regulamentação a Estacionamentos, Nova Lei de Eventos e Nova Unidade Territorial Quadra.
 
Nova Regulamentação de Estacionamentos
Regulamenta a permissão de implantação de estacionamentos de modo a garantir que, em zonas mistas de média e alta densidade, os lotes destinados a estacionamento tenham no mínimo quatro pavimentos, como autoriza a eventual  transferência de vagas entre proprietários no âmbito da Nova Unidade Territorial Quadra. Também exige que as demandas por vagas sejam apresentadas no âmbito da quadra. Desta forma pretende-se impedir o congelamento ou sub-aproveitamento de terrenos e ampliar a oferta de eventos interessantes aos pedestres no passeio público.
 
Nova Lei de Eventos
Regulamenta a obrigatoriedade e implantação de número mínimo de eventos urbanos por frente de rua, com validade para todas as zonas mistas e zonas residenciais. Eventos urbanos são todos os acontecimentos no plano de contato entre o privado (edifício) e o público (calçada/rua). Os eventos podem ser classificados de acordo com seu potencial dinâmico. A entender:
 
Eventos pouco dinâmicos:
- acesso a edificações com até 6 unidades habitacionais
- acesso a estacionamentos ou carga e descarga
Eventos dinâmicos:
- acesso a edificações com mais de 6 unidades habitacionais
- acesso a estabelecimento comercial ou de serviços
- acesso a edifícios de escritórios institucionais ou empresariais
- instalação de bicicletário para no mínimo 10 bicicletas
Eventos muito dinâmicos:
- acesso a edificações HIS (habitação de interesse social)
- acesso a equipamentos (escolas, hospitais, bibliotecas, clubes, posto de saúde, creches, museus, etc.
- acesso a galerias comerciais
- acesso a espaços de uso público no miolo de quadra
- estabelecimento de travessia no interior da quadra
- criação de área livre de uso público contígua ao passeio público com mínimo de 30m2
A distância entre eventos baseia-se no parcelamento do solo na região, de modo a garantir pelo menos um evento por frente mínima oficial de lote. De qualquer forma considera-se em novas ocupações a distância máxima de 20 metros entre eventos.
Esta ferramenta apresenta-se como um recurso para incentivo (fiscal ou de outras naturezas) para investimentos que garantam maior número de eventos dinâmicos.
 
Unidade territorial quadra (UTQ)
Apresentação de alternativa de superação do lote como unidade territorial mínima, com a possibilidade de associação “condominial” de um ou mais lotes de uma mesma quadra.  Esta nova unidade territorial se estabelece como uma ferramenta útil na gestão municipal, na medida em que pode se encarregar da mediação entre poder público e um coletivo de edifícios, especialmente no âmbito das subprefeituras. Ao mesmo tempo, a compreensão da cidade a partir de uma unidade territorial estendida legitima a concessão de incentivos mais vigorosos à iniciativa privada, considerando contrapartidas essencialmente de caráter coletivizante.
A equação proposta é apresentar incentivos fiscais e urbanísticos para aqueles que se organizarem territorialmente, impondo exigências de retorno à cidade especialmente à própria quadra. Aumento de potencial construtivo e reduções dos valores de IPTU devem ser considerados na negociação.
O primeiro passo é a criação de um conselho de quadra, que poderá contar com representantes de um ou até de todos os lotes do quarteirão, com atribuição de representação dos interesses coletivos junto ao poder público. A adesão ao conselho deve ser voluntária, mas interessa que seja a mais ampla possível.
Há dois casos em que se imagina a aplicação da UTQ: áreas em transformação, com remembramento significativo de lotes e áreas consolidadas na quais a associação entre lotes não tenha como objetivo um novo empreendimento.
No primeiro caso propõe-se a obrigatoriedade da UTQ para empreendimentos que ocupem uma área superior a aproximadamente 25% da quadra.  O empreendedor – para ter direito aos incentivos fiscais e urbanísticos – fica responsável pela implementação do conselho de quadra; sugere-se um incentivo progressivo proporcional ao número de participantes aderidos. Aos demais proprietários /condomínios participantes se oferecem incentivos fiscais. O empreendedor deverá:
a)    criar área de uso coletivo (com acesso público livre) correspondente a uma porcentagem da  área do lote no pavimento térreo (a ser definida sobre cada tecido urbano);esta área poderá ser coberta e destinada ao uso comercial desde que garantido o acesso público efetivo. Fica permitida a associação de outros lotes na composição da área livre;
b)    permitir o cruzamento público entre todas as vias com as quais fizer frente o lote;
No segundo caso, sem a criação de um novo empreendimento, os incentivos fiscais ficam vinculados à criação de áreas livres disponíveis ao uso público. Para tanto a UTQ prevê a associação condominial de trechos não ocupados dos lotes, de maneira a criar uma área livre contínua formada por trechos combinados de diversos lotes. Estas áreas devem ter ligação com pelo menos uma das ruas que definam a quadra, mas no caso de conexão entre duas ou mais ruas o incentivo pode ser ampliado.
Para que o esquema funcione, estabelece-se um mínimo de área livre disponibilizada equivalente a aproximadamente 25% da área da quadra.
 
Por que aderir?
Os incentivos oferecidos são de três ordens: fiscal, urbanístico e na priorização de investimentos públicos.
No caso de novos empreendimentos os incentivos urbanísticos representam um instrumento mais atraente, sobretudo com a ampliação do potencial construtivo.
Outra estratégia possível é a transferência de potencial construtivo intra-quadra, vinculada à implantação da UTQ. A operação – não obstante a difícil negociação em termos condominiais, com a necessária participação de todos os proprietários (apartamentos) do lote – pode tornar mais atraente o empreendimento, e -como consequência não menos importante- estimular a proteção do patrimônio banal da cidade construída. Recomenda-se que a transferência seja válida apenas para os lotes com imóveis que ocupem no mínimo 70% de seu potencial construtivo: não interessa o congelamento de imóveis com área construída muito aquém daquela regulada pelo Plano Diretor. Haverá de ser estabelecido um sistema de avaliação financeira das cotas de potencial construtivo, a fim de regular o mercado dentro das UTQs.
A adesão de lotes já ocupados só será interessante com contrapartidas financeiras. A redução dos valores (devidos ou regulares) de imposto territorial é a moeda de troca possível. O valor do incentivo deve ser variável de modo a estimular a participação do maior número de lotes possível: quanto mais lotes, maior o incentivo individual.
 
Redes privadas
O principal desafio a que esta proposta se dispõe é combater a natural tendência individualista do mercado imobiliário, que restringe seu campo de atuação aos domínios do lote. Evidentemente faltam instrumentos de orientados ao direcionamento coletivizante dos empreendimentos isolados (restritos ao lote). A Unidade Territorial Quadra é uma estratégia na procura por novos caminhos para o mercado, com estímulo a lógica coletiva na transformação da cidade.
Neste sentido, propõe-se um conjunto de incentivos proporcionais ao grau de agrupamento alcançado: quanto maior o número de lotes participantes, maior a redução de imposto ou maior o potencial construtivo permitido. Para além, sugere-se a ampliação dessa proporcionalidade para uma possível associação entre diferentes UTQs contíguas, isto é, incentivos crescentes para empreendimentos organizados em rede. Vale a ressalva de que a regra pressupõe a proximidade territorial das quadras.
O resultado esperado é a multiplicação de áreas livres e da malha pedonal conectando quadras, estabelecendo transformações positivas agora em escala de bairro.